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Um gel gorduroso era um dos produtos que os antigos egípcios usavam para manter os cabelos inalteráveis tanto na vida quanto na morte. Uma análise feita em 18 múmias, homens e mulheres entre quatro e 58 anos de idade, demonstrou esse fato. A mais antiga delas era de cerca de 3500 anos atrás, mas a maioria veio de um cemitério do oásis de Dakhla, no deserto ocidental egípcio, datadas do período Greco-Romano (332 a.C. a 395 d.C.). Algumas foram mumificadas artificialmente, enquanto outras foram preservadas naturalmente pela areia seca na qual foram enterradas. O gel continha ácido palmítico, principal componente das árvores palmáceas, e ácido esteárico, mais comumente presente na gordura animal, entre outras substâncias. O produto foi encontrado nas múmias artificiais e nas naturais. Portanto, deve ter servido para embelezamento durante a vida e para fixar o cabelo no lugar no processo de mumificação. E isso valia não apenas para o faraó ou a nobreza, mas também para as pessoas comuns, excetuando-se provavelmente os muito pobres. Será que essa era a Brilhantina Glostora deles?
As resinas e materiais de embalsamento usados para preparar os corpos artificialmente mumificados não foram achados nas amostras de cabelo, o que sugere que o cabelo foi protegido durante a mumificação e, então, preparado separadamente. Indica também que os egípcios sabiam que a cabeleira perduraria sem qualquer ajuda, ou acreditavam que o gel poderia preservá-la melhor do que os produtos da mumificação. Embora os textos egípcios não mencionem produtos específicos para os cabelos, uma vasta cabeleira era um símbolo de status e sabemos que usavam óleos perfumados e loções em todo o corpo. Além disso, pinturas em tumbas mostram pessoas com cones de unguento sobre as cabeças, os quais se acredita serem feitos de gorduras e resina perfumada. As perucas nos dão algumas pistas, pois eram cobertas frequentemente com cera de abelha. Elas custavam caro o que restringia seu uso à nobreza. Neste estudo, entretanto, a maioria das múmias tinha seu próprio cabelo com penteados longos ou curtos, com ou sem cachos, e também apareceram instrumentos de metal usados para forçar o enrolamento das mechas que depois seriam mantidas no lugar pelo gel. Alguns dos homens mais jovens tinham o cabelo repartido e alisado com o produto. A aparência pessoal era tão importante para os antigos egípcios que caso o falecido usasse penteados nos cabelos o processo de embalsamento era adaptado para preservar o estilo desse penteado. Isto asseguraria que a individualidade do defunto fosse mantida na morte, tal qual era em vida, o que enfatiza a importância do cabelo na antiga sociedade egípcia. É possível que os egípcios tenham usado cera de abelha no próprio cabelo, mas ela seria difícil de ser removida da cabeça e não foi encontrada nas múmias do estudo em questão.
Foi em uma múmia com cerca de 2250 anos, do Período Ptolomaico (304 a 30 a.C.), que cientistas encontraram indícios do segundo cancer de próstata mais antigo do mundo descoberto até agora. O primeiro foi diagnosticado num esqueleto com 2700 anos pertencente a um rei da Scythia, na Rússia. A múmia, parcialmente vista na foto ao lado, pertencente ao Museu Nacional de Arqueologia, de Lisboa. Ela foi identificada pelos pesquisadores apenas como M1, já que não tem sarcófago, nada evidencia o que teria sido em vida e não há referências ao seu nome. O que existe são apenas preces para sua proteção na vida após a morte. O homem, que deve ter vivido aproximadamente entre 285 e 230 a.C., provavelmente faleceu com idade estimada entre 51 e 60 anos. Uma tomografia computadorizada da pélvis e da região da espinha lombar revelou pequenos tumores redondos e densos: o caso mais antigo de metástase de câncer de próstata entre os antigos egípcios. Os braços e ossos da perna, areas comumente afetadas nesse tipo de doença, também foram atingidos pela enfermidade. O estudo mostra que o câncer já existia na antiguidade e, sem dúvida, no antigo Egito. Essa múmia foi identificada em 1782 como parte de uma coleção que pertenceu a Dom Pedro de Noronha (1382-1452), que foi arcebispo de Lisboa, e foi exibida em seu palácio naquela cidade. Ele pretendia construir um museu para a múmia, mas apenas uma parte da construção foi completada. Com o desinteresse dos herdeiros pelo projeto, o corpo acabou parando no museu lisboense.
Durante um longo período as múmias foram usadas como matéria prima na fabricação de tinta para pintura de quadros. O produto usado era chamado de Mummy Brown (marrom de múmia), um pigmento marrom profundo feito da carne de múmia misturada com pigmento branco e mirra. Também era conhecido como Caput Mortuum ou Egyptian Brown (marrom egípcio). Até o nosso século XX o material podia ser adquirido de artistas produtores de cores chamados coloristas. Já em 1712, uma loja que fornecia material para artistas, jocosamente chamada A La Momie, foi inaugurada em Paris vendendo tintas e verniz, mas também múmia pulverizada, incenso e mirra. Ao que parece uma múmia rendia material por muito tempo. Em 1915 um colorista de Londres teria informado que uma múmia egípcia havia fornecido material suficiente para satisfazer as demandas dos clientes dele durante vinte anos.
É consenso geral dos especialistas em arte que esse pigmento foi frequentemente usado por artistas do século XVI e que alcançou sua maior popularidade de meados do século XVIII até o século XIX. Em 1849 foi descrito como estando muito na moda. O artista francês Martin Drölling teria usado esse tipo de pigmento fabricado com os restos de reis franceses desenterrados da abadia real de St-Denis em Paris. Sugere-se que seu quadro L'interieur d'une cuisine, pintado em 1815, atualmente no Museu do Louvre e mostrado na ilustração acima, seja um exemplo do extensivo uso do pigmento. Críticas ao uso dessa espécie de material não faltaram. Suas origens eram desagradáveis, sua autenticidade era duvidosa e suas qualidades técnicas eram insatisfatórias. Um pintor afirmou nunca ter tido interesse em usar tal pigmento, pois não via nada de benéfico em cobrir sua tela talvez com uma parte da esposa de Putifar. Com aumento do esclarecimento sobre as origens horríveis do material, que parece havia sido esquecido de alguma maneira por alguns, e com o respeito crescente pelas múmias, sua importância científica, arqueológica, antropológica e cultural, acrescentada à redução significativa no número de múmias disponiveis, o uso do pigmento despencou dramaticamente no início do século XX.
O faraó Tutankhamon foi enterrado em um caixão feito de ouro sólido tão pesado que foram necessários oito homens fortes para ergue-lo. Mas quando Howard Carter tentou tirar a múmia de seu interior ele enfrentou uma dificuldade. Os negros unguentos pegajosos vertidos por cima do cadáver tinham se petrificado colando a múmia ao fundo do sarcófago. Tentativas para derreter a resina ao sol não deram resultado. Carter arrancou os braços e pernas da múmia, cortou sua cabeça e serrou o corpo em dois. Em seguida raspou os pedaços com facas quentes. Antes de devolver o corpo à sua tumba, os pedaços foram cuidadosamente repostos em seus lugares.
Em 1968, quando Ronald Harrison, anatomista da Universidade de Liverpool, abriu o caixão para tirar radiografias percebeu que ladrões tinham roubado as únicas jóias que Carter deixara no lugar: um solidéu delicado e um colar de contas de ouro. O crime pode ter acontecido durante a Segunda Guerra Mundial, quando a segurança no Vale dos Reis diminuiu bastante.
Na mesma ocasião Harrison coletou um pedaço da pele da múmia e o entregou a seu colega Robert Connolly que desenvolveu uma técnica engenhosa para descobrir o tipo sanguíneo de Tutankhamun. Ele purificou as moléculas relevantes das células da múmia e misturou-as com sangue humano moderno, trazendo o grupo sanguíneo do faraó de volta à vida. O resultado foi A2MN. Connolly ainda tem os restos do faraó em um tubo plástico que ele guarda junto com amostras que Harrison coletou de várias outras múmias reais.
O crânio de Tutankhamon é impressionantemente largo, tendo mais de 15 centímetros de diâmetro. Nesse aspecto ele poderia estar relacionado a um misterioso faraó encontrado em um túmulo próximo, cujo crânio é quase tão largo. Descoberto em 1907, este túmulo continha uma confusão de bens funerários, além de uma misteriosa múmia com um colar dourado dobrado em volta da cabeça para fazer uma coroa e o rosto e o nome raspado grosseiramente de seu caixão. Em 2013 acreditava-se que este seria o corpo do faraó Akhenaton. De fato, as medições dos crânios deram a primeira pista de que esses dois reis estavam intimamente relacionados — talvez pai e filho. Em 2010, análises de DNA comprovaram essa hipótese.
Fato pouco divulgado é o de que a tumba de Tutankhamon estava infestada de morcegos quando foi aberta por Carter. No guano desse animal abriga-se um fungo mortífero conhecido por histoplasma, o qual poderia ter infectado lorde Carnavon.
Como o coração da múmia e o tórax não existem mais, alguns peritos acham que eles foram removidos por Carter ou por ladrões de túmulos. Mas Benson Harer, um médico da cidade de Seattle, uma das poucas pessoas fora do Egito que teve acesso à documentação da tomografia computadorizada do faraó, insiste que o corpo foi mumificado desta forma. Isto sugere que o rei teria morrido num acidente que destruiu seu tórax, provavelmente o ataque de um hipopótamo, conclui Harer.
Na cidade inglesa de Birmingham, a impressão em 3D está ajudando a reanimar uma coleção de antigos artefatos egípcios do
Eton College, uma instituição educacional de renome mundial. Eles possuem uma das melhores coleções privadas do mundo de objetos da arte egípcia antiga. Nessa coleção existe um item particularmente intrigante: uma milenar mão mumificada. Num esforço de dar à mão mumificada uma maior exposição, eles a digitalizaram e imprimiram uma réplica em cores reais. Numerosas folhas de papel colorido formaram o modelo que agora pode ser manipulado sem medo de que se danifique a delicada carne da múmia. Manusear a réplica fornece muito mais informações do que aquelas que podem ser absorvidas apenas vendo o objeto atrás de um vidro.
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